combinavam. sabiam tudo de si e até um pouco mais, embora isso sempre seja uma ilusão. os dias de verão cintilavam, era quase impossível reconhecer dois corpos a certa distância. não que não soubessem manter um limite do amor próprio, mas formavam uma presença indelevelmente única. quase como uma esfinge, inabalável, que sabemos, é também um mito.

há coisas na vida que são abruptas, deixam a carne marcada e fazem tremer os ossos. nesse enredo não. foi como um conta-gotas que de repente esvazia o frasco. nas paredes de vidro ficam as sobras, o cheiro que penetra a memória, paralisa, retorna ao movimento repetido. a linha que contorna o descontentamento sempre é nítida. difícil é se dar conta da repetição passiva e reconfortante, um gozo autocentrado ressentido que só aparece com a nova incompletude. 

despediram-se longamente, como quem tem medo do inevitável. um apego à permanência de rasgar as vísceras. mas a consciência é coisa que só se revela na solidão. a mesmice atormenta tanto quanto o imprevisto de qualquer manhã seguinte. suportar a perda, fazer o luto de si, recomeçar. 

ainda combinavam, mas a menor distância entre os dois corpos precisava se expandir. a solidez só se completa na impermanência. remodelar o corpo para uma nova jornada. tudo se perdera, enfim, para que fosse possível um novo encontro em outra dimensão.


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