flowers 2
Aflorar-se em girassóis na virtude do dia, e deixar-se ir como a poeira cintilante iluminada pelo sol da manhã. Um lar pantanoso ou jardim, leito caudaloso em que o corpo se entrega sem pena de si. Assumir-se como fenda por onde brota o desejo, a inveja e a flor. Deixar-se ver à luz de toda a ausência, crua como a falta daquilo que se desconhece. Entregar-se à simplicidade e ao original e, enfim, aceitar-se como um ente que sabe apenas que chora e ri. Ser não mais que um sopro de vida que dança na sutura do tempo. Completar-se no que está por vir.
flowers
A delicadeza despretensiosa da flor que se submete a este mundo. A natureza sempre se recupera enquanto violamos a nós mesmos. Um ir e vir de vida em confronto com a morte; mil pedras pelo caminho. Gelo, vento, aridez, explosão. Um mundo inteiro sufocado por esta (des) humanidade que se apavora com o simples e o original. A delicadeza que expulsa tudo que é desimportante: existência inacabada e findável que se espalha na ignorância. Cavar um buraco, enterrar-se e retornar. Quase como voltar para o útero materno, mas cheio de culpa. Ter paz, enfim, nessa fissura; passagem que nos suga para o centro e nos reabilita. Ou a delicadeza violenta da flor que mantém-se viva, por gerações de pétalas, habitando este jardim de eternas desilusões onde nos assentamos. E, ao cabo de toda a força - e de toda a sujeição de nós mesmo -, não somos sequer uma gota no oceano; rastros de poeira abandonados pelo que ainda está por vir.
retorno
ver-se de perto e suportar
a perda do significado da palavra
o dito que se deixa para trás
como uma lágrima que escorre sem se arrepender
aceitar-se como apenas um corpo
e fazer dele somente passagem
um autoexperimento que, contraditório,
precisa de um outro
expandido e refratário
que oferece uma rota
um trajeto torto
ou qualquer densa dor que
quando mutila o corpo o refaz
um retorno ao selvagem e original
uma ruptura de nós mesmos
simples assim, numa noite amena
encontrar descanso e consolo no entregar-se
romper, enfim, este silêncio feito de riso, saliva, gozo
para expandir-se também
e achar-se outra vez.