ver-se de perto e suportar
a perda do significado da palavra
o dito que se deixa para trás
como uma lágrima que escorre sem se arrepender
aceitar-se como apenas um
assumir-se
entre cheios e vazios
a que sou e odeio ser
a que posso ser
a que se veste pra sair
de uma vez por todas
admirar-se por
deslocar-se entre si e as coisas
o tempo que se põe com o entardecer,
dissipando qualquer clareza sobre ser
um impulso, uma novidade ou um despertar
entre folhas
a súplica
o engasgo
o embaraço
tudo gera rubor
a cara incha
os olhos espiam
só por um fenda
linha que recorta
o calor
a
aceitava a ideia de que podia sobrevoar a praia,
em um cavalo alado, pela madrugada.
...
a poesia é uma chance
de contar com algo
que sempre esteve ali
mas não se podia enxergar;
uma bola que reluz
sob um céu escuro
à margem de uma
uma órfã de palavras
bastardo, o sentido sem argumento
apenas um desnível
em que a língua
nem precisa mais estar aqui
as letras de uma literatura
as palavras se atravessam
é uma rebelião sem argumento.
estão esmiuçadas entre si e
não suportam significar mais nada
se entregam
cuspo na tua taça
como sinal de fraqueza
diante do que não se pode conter
a bebida destilada sufocando
a memória de uns dias
em que sequer
um de
a graça
o choro
a divisão silábica
tudo que tangenciar
o pensamento
absorto pela lástima
é um alívio
quase um grito de
espanto
quando tudo flutua,
parece bom mas dá angústia.
é a hora, enfim, de aceitar
ser só esse corpo
que flutua e que geme.
é como esquecer de
um silêncio suspira
entre a nuca e o ombro
iluminados pela luz
uma gota pinga
ensurdecedora
uma vez duas três sinais
em nome de algum verso
transbordando de dentro da boca
como fosse vulcânico
o vento rasteiro
eu queria ser surfista, a mãe disse que não era profissão, aí queria ser dançarina, ela achou meio absurdo, eu queria ir embora com o circo, mas ao cabo de toda a controvérsia, eu não podia
o riso é contingente da raiva
a raiva na contenção da tristeza
a tristeza contida na falta
que comprime o desejo.
um vulto torto
parado na
entre o olho e a mira
sempre tem mais uma camada
como fosse uma película de sal
enterrada tal qual o vidro na carne.
as dermes incrustadas umas nas
a luz acesa iluminando a quina do calabouço
um soluço perdido na escuridão
e logo já é dia claro
a vida se represa como não fizesse questão nenhuma
de ser algo
o mundo está cheio de desesperança
duvidar de si ou se autoelogiar numa rede
dividem a mesma mentalidade do tempo:
um eu sem memória flutua
ante uma pílula do dia
tenho vivido esses dias
como se tivesse tomado
anestesia na gengiva
a carne dentro da boca
toda mordida sem doer
depois formiga tudo e
intui três ou quatro coisas
querendo que acontecessem
não é que vivi pra ver
dando certo um pensamento?
agora fico acreditando
que premonição existe
Página 1 de 2