Era 11 de março de 2020 quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou ao mundo o alerta da pan- demia de Covid-19. Ninguém sabia ao certo o que viria pela frente. Passados 2 anos e 7 meses, ainda temos dúvi- das, mas sabemos que vamos lidar com as consequências dessa tragédia sanitária por muito tempo.
No Brasil, de acordo com dados do Portal Covid-19, mantido pelo Ministério da Saúde, foram mais de 687 mil* mortos pelo coronavírus. Noentanto, esse número não é suficiente para dimensionar a dor de quem per- deu alguma pessoa querida ou terá que lidar com as sequelas, físicas ou emocionais, que permanecerão.
Larissa de Melo Alvarenga, enfer- meira e servidora pública da Prefei- tura de Florianópolis, enfrentou na pandemia o período mais tenso de sua carreira profissional. Acompa- nhou de perto os dramas das faltas de oxigênio, de leitos, de incentivo e de adesão em torno das medidas sanitárias e do atraso para o início da vacinação. No âmbito pessoal, também vivenciou a tragédia familiar por conta da doença.
Vivíamos o período mais dramático da pandemia no primeiro semestre de 2021. Larissa relembra que nesse período “esperávamos pela vacinação, que andava a passos de tartaruga. Tinha a introdução da variante Delta no Brasil, a falta de leitos e de insu- mos. Muitos óbitos ocorreram nesse período”. Foi nessa mesma época que ela perdeu o seu tio, Moacir. “Em 19 de fevereiro, ele começou com os pri- meiros sintomas. Tinha 65 anos, era professor, mudou a vida de muitas pessoas, inclusive a minha. Era dire- tor de escola, apesar de estar em aula remota, tinha que ir presencialmente e a gente acha que foi assim que ele se contaminou”.
Larissa recorda que, na ocasião, 8 pessoas da sua família também adoe- ceram. Moacir e os pais, um casal de idosos, não sobreviveram aos dias de internação. “Ele faleceu no dia 31 de março. Eu ainda estou vivendo o luto, eu perdi um pai. Eu vejo tudo que está acontecendo neste governo, eles morreram num momento que ainda nem tínhamos a vacina”.
Para milhares de famílias brasileiras, como a de Larissa, ficou a certeza de que a pandemia não foi enfrentada pelo governo da forma correta, o que gerou grande impacto no número de mortes. A falta de liderança do Governo Federal e de uma campanha informativa responsável e organizada foram motivos para o agravamento da crise. “As medidas de quarentena e o uso de máscara não foram incenti- vados pelo Governo Federal. Também houve demora na compra de vacinas. O Brasil sempre esteve preparado para responder às emergências de saúde pública e sempre foi referência mundial em vacinação”, relembra Larissa.
Entre as séries de dificuldades enfrentadas ao longo da pandemia, o Governo Bolsonaro (PL) se colocou diversas vezes contra as medidas sanitárias orientadas pelos órgãos técnicos de saúde nacionais e inter- nacionais. Também recaiu sobre a sua gestão uma série de denúncias que desencadearam na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Congresso Nacional. O atraso na compra das vacinas e as denúncias de que houve interesse em superfaturar o preço dos imunizantes também depõem contra o Governo Bolsonaro e a gestão da saúde pública durante a pandemia.
O relatório final da CPI, de ou- tubro de 2021, dá conta de que a posição relativa do país “subiu para a vergonhosa e indesejável 7a colo- cação” mundial no que diz respeito aos números totais de contágio e de mortes por Covid-19. “Se medidas não farmacológicas [distanciamento social, uso de máscaras, isolamento de infectados, por exemplo] tivessem sido aplicadas de forma sistemática no país, poderiam ter reduzido os níveis de transmissão da covid-19 em cerca de 40%, o que significa que pelo menos 120 mil vidas poderiam ter sido salvas até o final de março de 2021”, diz o relatório. Ainda de acordo com o relatório da CPI, “três estudos estimaram que 12.663 pessoas com 60 anos ou mais de idade não teriam falecido nos meses de março, abril e maio de 2021 caso o Ministério da Saúde tivesse contratado, em agosto de 2020, as 70 milhões de doses da vacina Pfizer”.
CORTES NA SAÚDE AFETAM O ATENDIMENTO À POPULAÇÃO
Aprovada ainda no governo de Michel Temer, a Emen- da Constitucional 95 (EC95), que limita os investimentos de recursos públicos, não foi revogada no Governo Bolsonaro. De acordo com Nésio Fernandes, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), estima-se que, desde a sua aprovação, em torno de 37 bilhões de reais deixaram de ser in- corporados pelo Ministério da Saúde.
Ele recorda que, durante a pan- demia, aportes como o orçamento de guerra e das diversas legislações incrementaram os recursos em saú- de para os estados e municípios. No entanto, “o Governo Federal sempre menosprezou o risco real da pande- mia e a dimensão que ela podia assu- mir no país. As decisões adotadas e os aportes de recursos sempre foram tardios”, destaca.
Com o encerramento dos recursos extraordinários da pandemia e o des- monte das estruturas de atendimento, a situação em 2022 se agravou. “O início do ano, com a dimensão da variante Ômicron, foi um desafio para o Sistema Único de Saúde (SUS). A nova variante colapsou os serviços ambulatoriais, agora sem a rede de atendimento e o orçamento de guerra”.
DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS
Os planos de governo dos can- didatos à presidência apontam caminhos para a saúde pública. Mas quando o assunto é o financiamento, o que gera impacto, de fato, na vida da população, fica a desejar em ambos os planos.
No entanto, o candidato que pro- põe a revogação da Emenda 95 e a ampliação dos recursos para a saúde é Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O pla-no de Lula reafirma o “compromisso com o fortalecimento do SUS público e universal, o aprimoramento da sua
gestão, a valorização e formação de profissionais de saúde, a retomada de políticas como o Mais Médicos e o Farmácia Popular, bem como a reconstrução e fomento ao Complexo Econômico e Industrial da Saúde”.
Jair Bolsonaro (PL), por outro lado, não sugere nenhum investi- mento para a saúde. Ao contrário, conforme o que já se viu no atual mandato, deve encolher ainda mais os recursos da saúde. Para 2023, a proposta de orçamento enviada ao Congresso pelo atual governo cortou mais da metade da verba direcionada aos programas Farmácia Popular, Mais Médicos e Saúde Indígena, entre outros. Quando questionado sobre o tema, Bolsonaro se restringe a falar sobre possíveis desempenhos no enfrentamento à pandemia, que são refutados pelo relatório final da CPI da Covid ou que têm méritos reconhecidos como sendo de outros agentes públicos.
*Dados levantados até o fechamento dessa matéria em 17/10/2022
Originalmente publicado no Jornal "Será que tanto faz?", uma iniciativa de jornalistas independentes de Florianópolis para discutir temas centrais em jogo no processo eleitoral para presidência da República, em outubro de 2022.
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