um imenso cansaço toma conta da cidade. as paredes não aguentam mais ouvir as lamúrias de tantos eus individualizados, preocupados com a invenção de si mesmos nas redes sociais. o concreto queima como brasa, cozinhando os corpos que não param de acelerar: uma ansiedade audível tanto quanto as buzinas dos carros que se amontoam nos cruzamentos. as portas abertas são as do consumo. as casas deixaram de existir. o espaço é consumido por estacionamentos e gás carbônico. a água à beiramar cheira à mijo e detergente. jovenzinhos de dinastia nenhuma circulam ingenuamente pelas margens mais especuladas; o sol já está a pino e a cidade se sente dourada apesar de ter cor cinza vertical. caminhamos por uma selva de pedras onde não há uma caverna sequer em que a gente possa se proteger. as paisagens exuberantes são ilusões cotadas pelo dólar. o verão vem chegando e hordas hospedeiras se movimentam não para conhecer o outro ausente em seu território, mas para explorar o que sobrou de natural e humano. a cidade parece verde, mas é incolor. invisível, está entregue à cultura da especulação e de beach clubs que exalam sexo forçado. a cidade é mesmo a grande ilusão de todos os tempos.


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