às vezes, nem posso acreditar em quem eu sou, talvez porque meu corpo pareça ter sido muitos ao mesmo tempo que tudo parece ter começado só hoje pela manhã. empilhadas umas sobre as outras - toda essa gente lá fora -, umas vomitando de tanto se envenenar, outras que colocam um tampão no umbigo. às vezes, é de perder a vontade de habitar o mesmo mundo, hordas de deslumbrados prosperando como a fome na guerra. é difícil lembrar que eu até já escrevi uma carta para um pássaro, um anjo ou até cantei no coro infantil. como pode a menina sempre ser a mesma ainda que desiludida. como ter certeza de alguma coisa quando o mundo se esfacela bem debaixo dos pés de toda a ignorância, dessa montanha verde e iluminada que ainda nos serve de consolo. olhando de cima parece que falta pouco para chegarmos a este não-lugar onde os sentidos desbotam deixando turvo o olhar de quem ainda acorda, lê um livro e toma café. agora apenas somos nós, marchando pelas avenidas motorizadas, zumbis desesperados vagando em busca do salário mensal. eu tenho pena de vocês, mas até menos do que já tive de mim mesma, ou pior, de quem ainda nem chegou. procriar é a pior maneira de errar com o outro que está por vir, essa é a culpa invariável da mãe. um dia, quem sabe, a paz deixe de ser uma placenta e se torne a última criança entre toda essa gente que ainda insistimos ser.
arte ruim

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