vagar pela cidade é diferente de caminhar para o trabalho. a sensação também é outra, comparada à da criança que corria pelas ruas colecionando novidades.
agora é um olhar atento sobre o velho: sem pressa ou ilusão. procuro na memória o cheiro, a cor, o gosto. já foram tantos, contradições e semelhanças.
o centro é sempre o mesmo há pelo menos dois séculos, nem sei. ver o tempo passar sobre o tempo passado é como viver no silêncio, à espera de um ruído, sempre na expectativa de que algo mude - ou talvez nem tanto. o futuro, quando vem, demora. entreposto a paredes descascadas, intercalando cores carcomidas pelo sol e pelo vento salobro. busco no agora alguma coisa que me comova, fácil e descartável. pelas ruas, cada pedra e pó se somam a história de tantos que ninguém sabe contar. uma casa abandonada ou uma árvore arrancada, o que começa e o que se encerra sem tempo para chegar.
penso na vida que houve ali. quantas e quais, na casa desabitada: sem propriedade ou família, nem orgulho ou piedade. no centro, bem no meio, a imagem amarga da mulher que viu o tempo passar de longe. se foi, já não é. à margem de tudo que parece ser, passado e presente se misturam sem interesse no que está por vir. o futuro, quando vem, não se demora, logo vira bruma, sal, mantendo tudo como está até que alguma coisa mude. a cidade é uma gota de oceano diluída nas areias do fim do mundo.
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