Você costuma ler como antes?

Não sei vocês, mas meus hábitos de leitura já foram bem diferentes. Tenho pensado sobre isso. E me questionado sobre situações que se misturam.

A primeira tem a ver com um endeusamento da prática da leitura. É como se ler fosse uma coisa sagrada, envolta numa aura de sabedoria e bom senso. Quem não frequenta a seita transparecendo alegria parece um verdadeiro ímpio. Tudo bem que ler é bom e até essencial, mas todo fanatismo acaba cobrando demais de nós mesmas. Enfim, em 2020, não dei conta de toda a pilha de livros na estante.

Depois, é comum me pegar comparando meus hábitos de leitura do antes e do agora. Antigamente, eu lia mais livros inteiros... Tinha uma leitura constante e linear... O que houve comigo? Foi o meu tempo diário que diminuiu? O meu interesse ou outras coisas mudaram?

Sim, tudo mudou. O meu tempo é mais escasso e tenho mais obrigações que me tomam a energia. Meus interesses mudaram, mas também porque muitas coisas no mundo se transformaram. O acesso infinito a conteúdos nos convida a consumir o máximo possível sem muito aprofundamento. Pessoas curiosas (ou não) entram em conflito com tamanha demanda de oportunidades.

As mudanças tecnológicas e a nova ordem hegemônica de comunicar e aprender nos modificaram para sempre. Percebo que leio muitas horas por dia, mas de forma não linear - e com muito mais ruídos - enquanto desvio do entulho de conteúdo que atormenta o nosso dia.

Assumimos, de algum modo, a fragmentação do pensamento, a partir de hábitos de leitura e apropriação do conhecimento impostos por novos modelos de consumo. Não lamento a possibilidade de acessarmos mais informações, mas parece oportuno pensar em nossas condições de interpretação do que estamos absorvendo e suas conexões.

Empenhar o nosso tempo em compreender o que lemos é mais importante do que a quantidade de coisas que estamos lendo. Nem sempre a velocidade da internet ajuda nisso. A boa notícia é que podemos nos dar conta de que é preciso construir uma nova rota, não para o passado, mas para outras formas de interagir com o futuro.