nada que se diga é coerente com a cabeça que se deita no travesseiro, atravessa a noite, sonha e ri, mas não se despede. o eterno retorno, como fosse uma maldição. o dia se repete e se repete e se repete: dormir, acordar, pressentir e nada acontecer. esperar é sempre uma desmotivação, um cálice seco calando o desejo submetido à regra, ao tédio, ao dessabor de habitar este tempo que, embora tenha nos dado muito, nos tira em dobro. o conserto da casa, a falha nos ombros, o terror noturno do envelhecer sem ruptura. a pele que vai se abandonando aos poucos, secando com as dezenas de anos empilhados pelo vento. a aurora que agora é fosca, todas as praias que já não são mais desertas, a capacidade da moeda de fazer tudo parecer importante. o consumo, sempre o consumo, o açúcar, o café, o cigarro. a dose no copo, o vício, a loucura e o arrependimento. tudo de novo, sem sequer haver sentido. o que se sabe, o que se viu e o que se estica como uma esteira sobre a areia branca, o mar poluído, as avenidas ensurdecedoras, absolutamente tudo é banal e banaliza os corpos. as possibilidades de mudança são escassas, a vertente da luta embandeirada virou piada, os corpos seguem amontoados e ainda estamos aqui, chorando a grande guerra enquanto as bombas explodem em nossos pés nas periferias do mundo. quem, afinal, seremos no findar do século: grão, poeira, semente estéril? um adeus profundamente triste, contingente de todas as explorações que agora suplicam piedade a robôs, também estéreis, que nos fazem desistir de nós. o excesso massificado, enlatado, plastificado. a toxina botulínica, o arrebatamento, as mágoas, tudo que se possa vender e dar desconto, o frete é grátis. a doença é psíquica e alucinante. como ainda podemos crer em algo depois de tudo?


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