absolutamente nada era capaz de mudar o ímpeto de fazer sempre a mesma coisa. tinha a convicção de que a rotina não se adaptava bem ao seu próprio jeito de ser; era, digamos assim, uma visão um tanto equivocada de si mesma. repetia-se, de tempos em tempos, conforme a estação: chorava no outono e se lamentava no inverno, quase como uma tradição de quem é da praia. a repetição parecia-lhe uma novidade; mas era sempre o mesmo susto, sempre o mesmo torpor.

não se sabe o que fez transbordar tudo aquilo que sempre esteve ali, na contenção, sem se deixar escapar. um lapso de tempo foi suficiente para, enfim, dar-se conta das voltas repetidas que deu em si mesma.

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as palavras se atravessam

é uma rebelião sem argumento.

estão esmiuçadas entre si e

não suportam significar mais nada 

se entregam à banalidade.

 

as palavras estão ovulando e

não querem nem saber:

o gozo imediato alivia tudo que não conseguem dizer.

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Meu corpo tem dificuldade de medir o tempo. Olho pra foto, pisco uma vez, e é como se fosse ali, anteontem ou semana passada; a presença é inevitável. 

Pisco de novo, revejo a imagem, e é como se ela fosse uma memória fosca de outra vida; quase duas personagens desconhecidas. 

Fico entre uma e outra sensação no meu tempo desmedido.

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mergulhar na experiência, oferecer o corpo ao desconhecido, entrar na cena do outro. é como se a coerência fosse alguma coisa que só existisse antes e no fim, mas se rompesse bem no meio do caminho. o contato que faz transbordar algo bem familiar na ausência de quem somos. ou como perceber aquilo que é oculto ao mesmo tempo que íntimo, mas que só ganha contorno na presença do outro. um repetir e repetir e repetir porque alguma coisa permanece aberta, ou suspensa por um fio de memória, ao longo de uma vida toda. é quando o corpo se rende à amnesia para se livrar do que, agora, podemos ver. um movimento que revela essa percepção ausente sobre quem se é, enquanto imaginávamos saber tudo sobre nós mesmos.

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