a guerra é incontestável e afeta todo mundo. atravessa o tempo, a história e o corpo perdido no entardecer chuvoso. as luzes e as buzinas, a escuridão mais à frente, o cheiro de pólvora: um campo de batalhas urbano empilhando zumbis digitais. a chuva e o choro pingam sobre o chão acalorado, levantando fumaça enquanto tudo que é vivo se lamenta. é uma vida inteira, sem pé nem cabeça, a lutar contra a morte e meia dúzia de moinhos de vento. a vista daqui é de dar dó, uma marcha infinita de despedidas conquistadas a foice e facão. a gritaria arde lá fora, enquanto tateia, cega, o terreno pantanoso dessa travessia. a guerra chafurda na lama e deixou quase tudo para trás. não nasce uma flor no asfalto, nem há nenhuma ilha desconhecida em que esta pequena dobra de esperança possa atracar. corpos sobreviventes encapsulados pelo tempo vagueiam solitários.

Escrever um comentário (0 Comentários)

um silêncio suspira 

entre a nuca e o ombro

iluminados pela luz

desse dia triste e esperançoso

o platinado da tarde 

ofuscado pelas luzes amarelas

que começam a acender lentamente

um beco uma casa um lugar

onde o silêncio conspira

uma noite entre a nuca e o ombro

corpos vacilantes

estancados pela angústia

desse dia em que só podemos esperar

é como se o desejo abrisse uma fenda no espaço

encolhendo o tempo 

até que nada pudesse sobrar

além desse menor instante

em que somos corpos fluindo ao acaso

sem pressa de chegar.

Escrever um comentário (0 Comentários)

tanta coisa ficou por dizer que agora nem interessa mais. sobrou esse descontentamento silencioso fantasiado de alegria exagerada, quase furiosa. parece pouco, mas rir já é alguma coisa: uma gargalhada ressonante fatia o reflexo no espelho - hordas de eus entorpecidos pela contenção. a falta do que fazer deixa inerte o sentido da palavra. é uma gritaria que se empapuça na paranoia, enquanto convulsiona com a realidade. vibramos com as falsas concordâncias enquanto esperamos eternamente sem nos acostumar. é sempre o mesmo imediato obrigando quem tem fome a fazer qualquer coisa; ou o mesmo reflexo no espelho fatiado pela falta de tudo. mas só por hoje, ninguém mais chora; gargalharemos entre os escombros das cidades perdidas mesmo que ainda chova sobre as nossas cabeças.

Escrever um comentário (0 Comentários)

assaltar a memória até que só seja possível lembrar. tratamento de choque. mexe em tudo que tá dentro, empurra pra fora, ilumina com o sol, tira tudo isso da penumbra. tipo batida policial. não fica nada no lugar. cheiro de mofo e muita cena saturada: olha pra tudo, investiga, repassa cada entrelinha até decorar o detalhe; sem chance de deixar pra lá.

pronto, fim, tá tudo dito: a entrega do relato. e aí é uma ressaca de dar dó. vazio, desilusão, preguiça, banzo. tirar tudo a limpo pra quê? fazer o que com essa sobra toda? vai deixando ali, pensa mais um pouco, depois parece que nem lembra. vai fazer outra coisa. lê uma bula de remédio ou uma receita de bolo, fuma um cigarro, toma uma dose, caminha no vento, suporta a jornada.

se fazer saber é antes de tudo olhar pro medo. fim ou começo, não dá pra dizer, é só uma coisa sentida que não se encaixa no tempo. mas é algo que atravessa a gente feito lâmina. uma incerteza ligando este exato momento a um outro agora que nos encontrará aqui, nesta esquina, onde a gente tá parado enquanto não sabe bem o que fazer. o que temos é este pequeno instante entre o aceitar e o escolher, porque o que interessa mesmo é alguma coisa que a gente ainda desconhece.



Escrever um comentário (0 Comentários)
Carregar mais