tanta coisa ficou por dizer que agora nem interessa mais. sobrou esse descontentamento silencioso fantasiado de alegria exagerada, quase furiosa. parece pouco, mas rir já é alguma coisa: uma gargalhada ressonante fatia o reflexo no espelho - hordas de eus entorpecidos pela contenção. a falta do que fazer deixa inerte o sentido da palavra. é uma gritaria que se empapuça na paranoia, enquanto convulsiona com a realidade. vibramos com as falsas concordâncias enquanto esperamos eternamente sem nos acostumar. é sempre o mesmo imediato obrigando quem tem fome a fazer qualquer coisa; ou o mesmo reflexo no espelho fatiado pela falta de tudo. mas só por hoje, ninguém mais chora; gargalharemos entre os escombros das cidades perdidas mesmo que ainda chova sobre as nossas cabeças.

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assaltar a memória até que só seja possível lembrar. tratamento de choque. mexe em tudo que tá dentro, empurra pra fora, ilumina com o sol, tira tudo isso da penumbra. tipo batida policial. não fica nada no lugar. cheiro de mofo e muita cena saturada: olha pra tudo, investiga, repassa cada entrelinha até decorar o detalhe; sem chance de deixar pra lá.

pronto, fim, tá tudo dito: a entrega do relato. e aí é uma ressaca de dar dó. vazio, desilusão, preguiça, banzo. tirar tudo a limpo pra quê? fazer o que com essa sobra toda? vai deixando ali, pensa mais um pouco, depois parece que nem lembra. vai fazer outra coisa. lê uma bula de remédio ou uma receita de bolo, fuma um cigarro, toma uma dose, caminha no vento, suporta a jornada.

se fazer saber é antes de tudo olhar pro medo. fim ou começo, não dá pra dizer, é só uma coisa sentida que não se encaixa no tempo. mas é algo que atravessa a gente feito lâmina. uma incerteza ligando este exato momento a um outro agora que nos encontrará aqui, nesta esquina, onde a gente tá parado enquanto não sabe bem o que fazer. o que temos é este pequeno instante entre o aceitar e o escolher, porque o que interessa mesmo é alguma coisa que a gente ainda desconhece.



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uma gota pinga

ensurdecedora

uma vez duas três sinais

em nome de algum verso

transbordando de dentro da boca

como fosse vulcânico

o vento rasteiro esfarelando a terra

um redemoinho que resseca os olhos

assalta os contidos

um desejo abrupto de rasgar

a carne e o tempo na mesma fenda

aberta a facão

estopa e fumaça

para estancar esse asco repetitivo e exagerado

uma gota estridente na paisagem opaca.

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o barulho entrou armado na sala e disparou contra o silêncio. brincou de tiro ao alvo com as coisas que não estavam ali, sobre a mesa. no corredor, um tiro certeiro na lâmpada há tempos apagada. o barulho disparou contra o silêncio do quarto vazio que, sangrando, gemeu sem voz como nos sonhos. no rangir da máquina de lavar, o barulho lavou as roupas transparentes que vestiam o silêncio, agora nu, sobre a cama. satisfeito e solitário, o barulho saca o isqueiro e acende um cigarro.

~abril de 2015~

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