Meu corpo tem dificuldade de medir o tempo. Olho pra foto, pisco uma vez, e é como se fosse ali, anteontem ou semana passada; a presença é inevitável. 

Pisco de novo, revejo a imagem, e é como se ela fosse uma memória fosca de outra vida; quase duas personagens desconhecidas. 

Fico entre uma e outra sensação no meu tempo desmedido.

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mergulhar na experiência, oferecer o corpo ao desconhecido, entrar na cena do outro. é como se a coerência fosse alguma coisa que só existisse antes e no fim, mas se rompesse bem no meio do caminho. o contato que faz transbordar algo bem familiar na ausência de quem somos. ou como perceber aquilo que é oculto ao mesmo tempo que íntimo, mas que só ganha contorno na presença do outro. um repetir e repetir e repetir porque alguma coisa permanece aberta, ou suspensa por um fio de memória, ao longo de uma vida toda. é quando o corpo se rende à amnesia para se livrar do que, agora, podemos ver. um movimento que revela essa percepção ausente sobre quem se é, enquanto imaginávamos saber tudo sobre nós mesmos.

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o tempo é de altos e baixos. tão inconstante quanto correr uma semana sim e duas não. na próxima corrida, é comum que falte ar nos pulmões. o momento é de náusea e ansiedade enquanto os livros caem das estantes. trafegam para o esquecimento deixando restos empoeirados. eram alguma coisa total articulada na incompletude. agora são fragmentos delimitando qualquer desejo que se diga inteiro. a boca cospe tédio o dia todo enquanto o nariz espirra vontade de dormir. palpitação, cansaço e uma cabeça que não para. as paredes vertendo ilusões enfumaçadas, enquanto bolhas opacas dançam entre o olho e o frame, como se fossem lágrimas de olhares ressacados. desafiar qualquer coisa que nos seja estranha é a melhor forma de voltar para o que sempre esteve ali à procura de um consolo. a novidade é mesmo uma miragem no deserto.

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estava com os dentes apertados como quem corta com a boca o bife, a pele, a renda. marcava com as presas talhos nas paredes para lembrar do que já tinha esquecido. os dentes sempre trincados de tanto gritar, mas era calada que o tempo passava; a lentidão de quem nem sempre está aqui. o olho tremia sem função alguma e sabia o que tinha para ver. era quase uma confissão antecipada de alguma culpa que chegaria com o inverno. vozes e gargalhadas, barulho de obra, trânsito: uma trilha de outra manhã rangendo os dentes e sorrindo para fora enquanto esculhamba tudo para dentro. era quinta-feira e fazia falta um feriado.

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