Uma coisa que eu acho bem bonita (e inteligente) é quando aceitamos suportar linguagens que não são as nossas de conforto para que seja possível viabilizar uma interlocução. Se entregar a isso parece ser um esforço muito sutil e delicado, como também é uma possibilidade e tanto de se conectar ao outro. Um desembarque numa linguagem qualquer, sem juízo de valor e coisa e tal, em que respeitamos suas próprias dinâmicas. Essencialmente um movimento de ouvir mais do que tudo. Algo como oferecer o corpo à experiência: se deixar levar por algo estranho - que não se sabe o que é ou que até preferimos refutar - para vê-lo de bem perto. Não como um movimento exploratório, mas contemplativo, em que seja possível uma interlocução menos ruidosa; um lugar de encontro que nos junte outra vez.

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quando tudo flutua,

parece bom mas dá angústia.

é a hora, enfim, de aceitar

ser só esse corpo

que flutua e que geme.

é como esquecer de existir: 

ser só pele, músculo, nervo e osso, 

em queda livre,

bem perto de deixar de ser alguma coisa.

 

o abismo na beira é quando tudo flutua.

parece angustiante, mas é bom.

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a guerra é incontestável e afeta todo mundo. atravessa o tempo, a história e o corpo perdido no entardecer chuvoso. as luzes e as buzinas, a escuridão mais à frente, o cheiro de pólvora: um campo de batalhas urbano empilhando zumbis digitais. a chuva e o choro pingam sobre o chão acalorado, levantando fumaça enquanto tudo que é vivo se lamenta. é uma vida inteira, sem pé nem cabeça, a lutar contra a morte e meia dúzia de moinhos de vento. a vista daqui é de dar dó, uma marcha infinita de despedidas conquistadas a foice e facão. a gritaria arde lá fora, enquanto tateia, cega, o terreno pantanoso dessa travessia. a guerra chafurda na lama e deixou quase tudo para trás. não nasce uma flor no asfalto, nem há nenhuma ilha desconhecida em que esta pequena dobra de esperança possa atracar. corpos sobreviventes encapsulados pelo tempo vagueiam solitários.

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um silêncio suspira 

entre a nuca e o ombro

iluminados pela luz

desse dia triste e esperançoso

o platinado da tarde 

ofuscado pelas luzes amarelas

que começam a acender lentamente

um beco uma casa um lugar

onde o silêncio conspira

uma noite entre a nuca e o ombro

corpos vacilantes

estancados pela angústia

desse dia em que só podemos esperar

é como se o desejo abrisse uma fenda no espaço

encolhendo o tempo 

até que nada pudesse sobrar

além desse menor instante

em que somos corpos fluindo ao acaso

sem pressa de chegar.

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