escrevo bobagens enquanto espero dar a hora de sair penso em uma ou duas alternativas cuidar de plantas e estudar a vida das saúvas lembro das notícias que não param de chegar o fluxo do pensamento lá longe e uma certa secura na boca como se alguma coisa inevitável estivesse pra acontecer cravo os olhos nos frames vídeo meme letras estremecidas no papel amarelado o tempo enfraquece o olhar mais a gente pode ver até mais ou não a juventude que desbota nem sempre parece madura o suficiente pra fazer parte do seu tempo aí estamos nós atordoados como se o homem estivesse encapsulado num passado que não mais lhe convém há uma chance de se ser aquilo que a gente nem sabia que era possível mas pra isso é preciso engolir sem água e sem pena de si mesmo a pílula que te reflete no espelho.

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eu entrego o corpo à experiência como um caminho por onde cruza uma linguagem. é uma maneira de me comunicar com o que é desconhecido. como se fosse uma mediunidade sem a mística. é contemplação, mas também ação e força. é como uma entrega que precede a consciência enquanto enxerga o que está por vir. apagamento, memória, transe, deja vu. eu ouço o que se diz no silêncio; quase dá pra tocar. eu leio letras borradas em linhas turvas e é nessas margens que o ente escondido se comunica comigo. nem sempre sei interpretar. às vezes, é um feixe de luz ou um véu que flutua na escuridão. ou um viajante enrijecido vagando pelo mundo, empinando o peito e dando coice no ar. no limite do corpo, meio aceso, meio apagado, é que eu escuto. nem mais, nem menos. só o possível e o original. é como se fosse mediúnico, mas é só o corpo que se deixa levar pela estranheza dessa matéria invisível: anima que nos coloca em contato.

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"A loucura é o ápice da consciência". Foi uma frase que eu ouvi não sei de quem e sei lá se alguém escreveu isso mesmo. Mas, eu acho que a frase é boa porque favorece a palavra loucura. Dá a ela algo a mais do que uma referência original de sentido. Acho que o louco, no ápice da consciência, é alguém que antevê algo ou que atravessa essa sensatez falsa e convencional dos cheios de "bom senso". O louco enfrenta o tédio e a ilusão. Radicaliza no corpo e na ação qualquer sentido da palavra antes que ela seja. É quem se conecta mais habilidosamente com essa linha sutil que envolve qualquer ato ou qualquer discurso consolidado. O louco como um ente que atravessa uma linguagem qualquer, sem valorá-la ou se submeter a ela, ao mesmo tempo que lhe entrega tudo: corpo, mentalidade, espírito, singularidade. O louco é quase mediúnico, não porque é religioso, mas pela sua capacidade de mediar o tempo e ampliar o sentido das palavras até que elas deixem de significar tanto e passem a ser só elas mesmas. É como estar num nevoeiro e se deixar levar pelo medo, pela angustia, pela proporção que toma qualquer sentimento. A loucura é a consciência reivindicando a sua própria perda de sentido.

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a graça

o choro

a divisão silábica

tudo que tangenciar

o pensamento 

absorto pela lástima

é um alívio

quase um grito de

espanto espasmo

um soluço um gemido

alguma coisa que atravesse

esse minuto a minuto

de dor de cabeça

e preguiça de sair do lugar

a histeria tomou conta de tudo

a casa o trabalho

o espírito torto na esquina do quarto.

aguardar o fim é sempre mais alucinante

do que a hora em que tudo acaba de vez.

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