há duas ou três semanas, comecei a retomar um lugar na rua. sempre fui dali. a praia, o carnaval, o protesto, o boteco, o jornalismo. sou andarilha e gosto de gente. viver trancafiada nunca foi pra mim. o isolamento foi difícil e me levou a desconfiar dessa minha identidade. mas, nos últimos dias, fui retomando esse meu lugar na rua e repactuando a vida comigo mesma. revi tanta gente amorosa, essa galeragem que eu sempre tive e sempre fiz questão de ter. sei que há entre nós muita angústia, um certo medo de aglomerar que é mais do que uma medida sanitária. mas, há também uma chance de se construir algo novo quando voltamos a estar juntos. é preciso, talvez, um pouco de complacência com o outro, uma certa disposição. e nada melhor do que a rua para nos fazer hábeis a lidar com a vida coletiva, expandindo as fronteiras desse individualismo que nos consome. voltar pra rua e reconhecer as amizades me traz um consolo e me relembra de quem eu sou. a vida é boa!

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os dias, todos, podiam ser uma manhã de sábado. sol esfumaçado, gosto de café. meia dúzia de tragadas esverdeadas soprando ideias que esfumaçam ainda mais o amarelo do sol. pelas ruas, canções de gás e detergente que saltam de caminhões solitários. os dias todos manhã de sábado, revelando meninas que empinam pipas e meninos que choram no colo das mães. manhã de calor suave, com a pressa de chegar e a tarde toda pra sair.

as noites, todas, podiam ser uma noite de outono. bruminha leve e fria pingando na têmpora e nos joelhos. gosto de chiclete de menta jogando conversa fora. pelos becos, gargalhadas altas e olhares atentos a procurar vestígios depois de mais uma rodada de desesperanças. as noites todas, noite de outono, apresentando meninas que não têm medo e meninos que voltam chorosos para o colo das mães. noite de frio ameno, sem pressa de acabar e sem inverno a perseguir.

 

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a confusão é generalizada, não bastasse o descostume de viver junto, tudo é mediado; muito ruído interpretado no silêncio da solidão. ninguém sabe mais dizer quem fala ou pensa o quê. as ideias estão todas misturadas e o individualismo tornou as relações efêmeras. sentir então... quase todo mundo se perturbou, parece difícil encontrar quem não. exacerbação, conflito, apatia. um pouco de decadência e de pobreza de espírito. assim, todo mundo meio desanimado, contente com migalhas e sofrendo miseravelmente pela falta de conjunto. melhor deixar pra lá.

tudo é muito performático, as pessoas correm para lá e para cá, se manifestam brutalmente em 140 caracteres, mas estão angustiadas diante das plateias presenciais. ninguém é capaz de suportar qualquer coisa que surpreenda, ou aquilo que o destino reserva, sem recorrer a cautela de quem faz análises de conjuntura. viver dentro de si é mais que isso. essa parece ser a verdade de todo mundo no momento, desde que não seja preciso compartilhá-la. de fato, a verdade ninguém quer saber. mas, parece prescritivo - não fosse prescrever, de certo modo, um gesto autoritário - expressarmos algo que alguém chamou de dimensão da verdade: a manifestação daquilo que denota a realidade tal qual é lida por esse ou aquele sujeito. algo que nos aproxime um dos outros, que esgace as fronteiras do reconhecer-se entre si em vez de nos refutarmos o tempo todo. eu tenho até medo, mas eu gosto de gostar de gente.

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quando eu morrer, quero que todos chorem e ouçam fado. quero que escureçam a sala e dancem passos a esmo. quero que fumem cigarros e bebam conhaque. quando eu morrer, quero que todos riam de desespero, de dor curada na pior das bebedeiras. e antes da ressaca, madrugada que já sou morta, quero que todos balburdiem sobre o meu caixão para que eu não fique fadada ao silêncio eterno.

quando eu morrer, quero que todos riam e ouçam jazz. quero que abram as cortinas e dancem sincronizados. quero que fumem charutos e bebam vinho. quando eu morrer, quero que todos chorem de alívio, de contentamento regado às melhores bebedeiras. e antes da ressaca, amanhecer que já sou morta, quero que todos durmam sobre o meu caixão para que eu não fique fadada à memória eterna.

~2015 ou 2016~

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