um encontro pode nos mostrar muitas coisas. pode ser o momento inevitável de suportar algo tão familiar quanto misterioso. como um estranhamento que desarticula: um movimento que a gente não faria; um dizer ou gesticular meio falso e quase milagroso. pode ser um não como afirmação de algo vivido, procurando outras dentro de si reféns delas mesmas. as margens borradas entre cheios e vazios.

encontrar alguém pode ser o ponto em que a palavra se perde. ou uma repetição ingênua que espera por alguma coisa diferente disso ou daquilo. ou qualquer coisa rasgada pela assimetria do tempo, como o voo cadente de uma pálpebra. 

é como se houvesse alguém cavando um buraco no quintal pela madrugada, enterrando um eu qualquer, morto mas vivo, sorrindo enquanto desaparece sob uma pá e outra de areia úmida. é como dar conta, enfim, de um oculto variável, muitas vezes insuportável e deprimente, mas que é apenas uma parte. de certo modo, um lugar onde pode haver também algum descanso.

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muitos pensadores já nos explicaram o conceito de correlação de forças. acho basilar pra pensar tudo na vida e não ser um pimpão.

mas, de certeza, é em casa que o aprendizado começa. a vó Norata, por exemplo, sempre mandava essa clássica quando as netas não se enxergavam diante da situação: "lá vai a valente, pra voltar chorando" - não dava outra. era um retorno cabisbaixo, uma perda expandida na palma da mão. 

a vó também deu aulas de estratégia e tática. quando o plano era ruim, a pergunta era sempre a mesma: " tu quer roubar sem podê carregar?" enfim, certa de novo, a Norata. é um passo maior que a perna, impensado, o que pode te derrubar.

bem verdade, a vó Norata sabia da vida muitas coisas. nem tudo deu tempo de ensinar. e quando se vê, se foi o tempo de saber.

 

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o propósito da vida talvez não tenha a ver com descobri-lo, mas aceitá-lo como um desconhecido e suportá-lo enquanto ausência. essa é uma divagação que a gente já deve ter lido por aí. mas mesmo uma frase ordinária pode esconder da gente um desconhecido contido em nossas certezas, julgamentos ou insatisfações. um discurso sutil que nos desloca sem nos tirar do lugar. 

às vezes, vamos construindo uma ideia sobre o outro para justificar a nossa própria convicção ou sanidade. uma ilusão para suportar a ausência daquilo que se desconhece. não sei, mas parece que deixar o estranhamento acontecer diante da falta pode ser menos sofrido do que se preencher com culpa ou pena de si mesma. sei lá, tem gente que gosta de comida enlatada. tem gente que nem tem o que comer. a ausência é.

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o mundo está cheio de desesperança

duvidar de si ou se autoelogiar numa rede

dividem a mesma mentalidade do tempo:

um eu sem memória flutua

ante uma pílula do dia seguinte 

 

há carroceiros da morte

que empilham corpos em selvas urbanas

e em florestas tropicais

tudo é lixo cósmico, no fim das contas

no fim da vida, tudo é a mesma coisa

 

são entranhas invisíveis

de onde se vê brotar

um oceano lamurioso

repetindo mantras de grifes até as dez da noite

 

arde os olhos como luzes de natal

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