desobstruir as artérias até que alguma coisa volte a correr pelas veias. oxigenar o corpo da angústia dos dias a fio sem pensar. levantar com as horas dos mais sedentos e dormir a noite toda. acenar com esperança para uma interlocução mais ou menos eloquente e capaz de suportar tanto ruído. caminhar sem ter onde chegar e se comover com isso. eu olho pra chuva como se não soubesse contar os passos no meio de uma travessia pantanosa; mas sei e até gosto. 

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a luz acesa iluminando a quina do calabouço

um soluço perdido na escuridão

e logo já é dia claro

a vida se represa como não fizesse questão nenhuma

de ser algo além disso

um oposto interminável

de lucidez e surto

as cortinas descerrando a poeira da vidraça

como se um passado luminoso se levantasse

todos os dias pra caminhar no jardim

tudo é igual só não se sustenta como antes 

as luzes apagadas

o silêncio na borda da xícara

o cheiro intragável das recomposições

um pacote de presente sobre a mesa

e uma boca que não fecha

ensurdecida pelo entardecer

desse céu cinza de dar dó

uma repetida novidade

alvorecendo em torno de sobras 

uma vontade permanente e eletrizada

pelo incerto contido na rasura do tempo. 

a palavra na falta do sentido.

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um encontro pode nos mostrar muitas coisas. pode ser o momento inevitável de suportar algo tão familiar quanto misterioso. como um estranhamento que desarticula: um movimento que a gente não faria; um dizer ou gesticular meio falso e quase milagroso. pode ser um não como afirmação de algo vivido, procurando outras dentro de si reféns delas mesmas. as margens borradas entre cheios e vazios.

encontrar alguém pode ser o ponto em que a palavra se perde. ou uma repetição ingênua que espera por alguma coisa diferente disso ou daquilo. ou qualquer coisa rasgada pela assimetria do tempo, como o voo cadente de uma pálpebra. 

é como se houvesse alguém cavando um buraco no quintal pela madrugada, enterrando um eu qualquer, morto mas vivo, sorrindo enquanto desaparece sob uma pá e outra de areia úmida. é como dar conta, enfim, de um oculto variável, muitas vezes insuportável e deprimente, mas que é apenas uma parte. de certo modo, um lugar onde pode haver também algum descanso.

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muitos pensadores já nos explicaram o conceito de correlação de forças. acho basilar pra pensar tudo na vida e não ser um pimpão.

mas, de certeza, é em casa que o aprendizado começa. a vó Norata, por exemplo, sempre mandava essa clássica quando as netas não se enxergavam diante da situação: "lá vai a valente, pra voltar chorando" - não dava outra. era um retorno cabisbaixo, uma perda expandida na palma da mão. 

a vó também deu aulas de estratégia e tática. quando o plano era ruim, a pergunta era sempre a mesma: " tu quer roubar sem podê carregar?" enfim, certa de novo, a Norata. é um passo maior que a perna, impensado, o que pode te derrubar.

bem verdade, a vó Norata sabia da vida muitas coisas. nem tudo deu tempo de ensinar. e quando se vê, se foi o tempo de saber.

 

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